A região de Alphaville, na Grande São Paulo, é um dos lugares mais seguros e ricos do Brasil. Mas, por trás da tranquilidade, o Fantástico descobriu um submundo, um mercado ilegal e milionário das casas de jogos eletrônicos. Existem pelo menos sete bingos – são muito bem protegidos, mas o Fantástico conseguiu entrar em todos.
Primeiro, um portão eletrônico na garagem. Depois de dois lances de escada, um elevador. Da entrada até o salão de jogos, seis portas. Do lado de dentro, um bingo clandestino, que se protege muito bem para tomar o dinheiro dos apostadores.
“Eu gastei meu mesmo por volta de uns R$ 2 milhões. E me endividei. Eu acho que por volta de uns R$ 600 mil”, revela uma jogadora.
Ela é uma jogadora compulsiva que conseguiu parar de jogar quando procurou ajuda psicológica depois de perder tudo. “Não tenho um imóvel, não tenho um dinheiro guardado no banco, não tenho nada”, acrescenta.
O tratamento seria um pouco menos doloroso se a lei que proíbe os bingos fosse respeitada, e não existisse mais tentação. Só que em São Paulo muitos bingos ainda funcionam clandestinamente, de dia e à noite. Os funcionários fazem de tudo para agradar aos apostadores. Promovem sorteios e dão bebida e comida de graça. Em um deles, o jantar é um suflê de bacalhau.
O acesso é por indicação de antigos apostadores, como conta um homem: “O jogo ilegal, eles são assustados. Eles têm medo de abrir as portas para quem não conhece.”
Em Alphaville, a maior casa de jogos ilegais tem pelo menos 150 máquinas. Elas não usam mais moeda, somente cédulas. Mulheres fazem o papel de trocadoras e circulam pelo salão o tempo todo com maços de dinheiro. Um jogador diz que os gerentes dão até crédito para quem já é conhecido da casa.
“Em muitos casos você tem um crédito ilimitado. Cheque? À vontade, pode trocar. Até o dia que você não tiver mais recursos, aí tudo muda”, diz.
As máquinas são de última geração e usam o sistema de toque direto na tela. Elas têm um painel que mostra o dinheiro que está acumulado dentro delas: R$ 29 mil, 40 mil, R$ 60 mil. Mas um ex-funcionário de um bingo em São Paulo conta que as máquinas são programadas para a casa ganhar.
“A casa, quando ela inaugura, paga muito para ficar com a fama de boa pagadora. Ela é programada para passar um, dois meses no vermelho. A partir daí você muda o sistema. O apostador sabe disso. E mesmo assim joga. É o vício”, conta.
“Nós ficamos praticamente dopados. Eu perdi no longo de sete anos uma quantia estimada em torno de R$ 600 mil”, conta uma jogadora.
Com tanto dinheiro em jogo, a concorrência é muito grande. “Os donos de bingos, hoje, disputam jogadores. É por isso que hoje eles dão bônus, dão prêmios, fazem sorteios. Se é um bingo mais de periferia, faz sorteio de R$ 50, R$ 100. E faz cesta básica, faz cesta de Natal, essas coisas”, explica uma jogadora.
O apostador pode cadastrar o celular e receber mensagem de texto com as promoções do dia. “Sorteios de R$ 500 a cada meia hora! Ligue antes de vir!”, diz uma mensagem assinada pela funcionária Luma, de um bingo nos Jardins, em São Paulo.
Os bingos de Alphaville também fazem promoções. Um deles faz um sorteio de R$ 500. E tem muito mais, como televisão. Só que os jogadores precisam esperar até tarde, e quanto mais tempo esperam pelo sorteio, mais jogam. As casas também oferecem cigarros: pode-se fumar livremente no recinto fechado, o que é proibido por lei. Todas as máquinas têm cinzeiros.
“Eles tentam fisgar os compulsivos através de um tratamento diferenciado que você não tem na vida real”, aponta um jogador. “Chegaram a oferecer caixas de chocolate sofisticado”, diz uma jogadora. Na verdade, tudo isso é financiado pelo dinheiro do jogador compulsivo. Mas o tratamento é sempre gentil. “Tchau, meu amor. Vai com Deus. Deus te abençoe”, se despede uma funcionária.
Para o ex-funcionário de um bingo, a explicação para a existência de jogatina em uma região tão segura é a corrupção: “todas as casas têm envolvimento policial. Todos têm no mínimo um suborno. Senão não dura um mês”.
“Nós temos exemplo de boa participação de polícia, Polícia Militar, Polícia Civil com o Ministério Público para que essas casas sejam fechadas. Infelizmente, o capital que explora essa atividade tem também corrompido alguns agentes públicos”, ressalta o promotor de Justiça Tomás Busnardo Ramadan.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que a Corregedoria da Polícia Civil investiga todas as denúncias de corrupção envolvendo policiais, e que, desde 2009, o número de demissões triplicou. A nota diz também que centenas de bingos clandestinos foram fechados.
Osasco
Em Osasco, na região metropolitana de São Paulo um prédio que parece abandonado tem várias câmeras de segurança, apontadas para todos os lados do quarteirão. São os olhos de uma fortaleza.
No local, o sorteio é de R$ 1 mil. Um funcionário conta que os donos têm outras casas de jogos: “Aqui a gente está com seis. E em Alphaville tem três.”
Segundo uma jogadora, existem muitos mais na periferia e também nas áreas mais ricas da capital: “Desde a cidade de Itaquaquecetuba, Itaim Paulista, São Miguel Paulista, Penha. Você pode encontrar bingo um em cima de outro nas grandes avenidas e também escondido dentro dos bairros. Em Santana, no Tucuruvi, no Jardim Ângela, Itaim Bibi, Jardins, tudo tem bingo.”
Um bingo do Itaim usa o disfarce como segurança: ele funciona em um prédio comum, que tem porteiro. “Pode subir, amigão”, anuncia ele. O bingo é tão concorrido que uma funcionária avisa que tem máquina reservada. É por isso que a casa não tem hora para fechar.
“Tem muitos bingos que são 24 horas, mesmo clandestinos”, diz uma jogadora.
Segundo o promotor, o combate a isso depende de “pessoas de bem da comunidade, que vão trazer esses fatos ao conhecimento do Ministério Público, porque sempre se tem um vizinho que não está contente com aquela atividade ali exercida, ou então exercendo de uma forma mais efetiva o controle interno no âmbito das corporações, punindo funcionários públicos corruptos ou no mínimo omissos”.
“Tanto faz você perder R$ 100, você perder um ou perder mil, porque esse um, de repente, para aquela pessoa que não tinha nada, é muito”, conclui uma jogadora.
Fonte: G1